por Robson do Val – Jornalista, apresentador do programa Balanço do Dia da Rádio Clube FM e editor do Blog Balanço do Dia
Voltava uma jornalista, minha conhecida, da manifestação do 15 de
março no Farol da Barra, em Salvador, onde, segundo ela, teria ido a
trabalho, e sapecava imediatamente na rede social um texto que começava
mais ou menos assim: “Hoje descobri que os
coxinhas não sabem protestar”…
É um tal de
coxinha pra cá,
elite branca pra lá, e o
sujeito não pode mais abrir a boca neste país com respaldo para
criticar as instituições, se não estiver engajado em alguma minoria
oprimida historicamente.
O ódio aos
bem sucedidos (economicamente falando, é bom que
se diga) se tornou quase que uma credencial para que alguém seja
considerado um ser politizado em nosso país.
As perguntas são: não teria essa regra sido convenientemente forjada
por uma classe dominante ex-proletária, que agora é usurpadora das
riquezas nacionais, e que teme mais do que tudo ser desmascarada pela
burguesia? Não teria sido por isso que criou o rótulo depreciativo de
que todo opositor é
coxinha para que possa continuar iludindo as massas incultas?
Quanto à minha conhecida, a jornalista, é mais uma das que foram
picadas pela mosca vermelha da causa, há muito abandonada, de que o
combate à pobreza do país se fará com o operariado no poder. Existem,
nessa legião desconsolada, pelo menos três grupos bem definidos que
ainda não abandonaram a trincheira:
– Os que estão embriagados pelo poder e dele só saem a força
– Os periféricos. Serzinhos de quinta categoria que pululam em volta
do poder colhendo as migalhas que a cúpula deixa cair em forma de
pequenas vantagens políticas e restinhos de poder. Aí se enquadram os
tais
cargos de confiança.
– E os idealistas incorrigíveis. Eles realmente acreditavam no
projeto lá no início, e agora, suas mentes obtusas e sonhadoras não se
conformam de que deu merda. Divagam iludidos acreditando que o benefício
continua maior que o custo de tanta bandalheira, e dizem quase sempre
quando são pressionados; “Nos governos passados era bem pior, só que
ninguém sabia”, argumento semelhante àquele que prega que o AVC é melhor
do que o infarto ou do que a trombose. No fim das contas é tudo doença.
Mas antes que algum desavisado pense que estamos aqui fazendo apologia aos
coxinhas, vamos dar um pouco de razão aos desconsolados da última hora.
Partamos do princípio clássico aristotélico de que aquilo que faz a
riqueza de um homem é muito mais do que a posse do dinheiro. A riqueza,
em sua essência, incluiria valores como saúde física, harmonia
emocional, consistência intelectual, sensibilidade artística…
Ora, ora! O que temos visto surgir com mais frequência em nosso meio,
são pessoas adquirindo bens materiais com relativa desenvoltura, e não
se preocupando em lapidar suas naturezas para que possam proporcionar a
si mesmas um melhor proveito dessa fartura.
Hoje vale mais o craque de futebol analfabeto, do que que o
engenheiro que se matou de estudar. Vale mais o pagodeiro ou o cantor de
arrocha que nunca viram uma partitura musical, do que o maestro da
orquestra sinfônica. Vale mais o traficante no carrão de luxo, do que o
médico ou o professor que arriscam as próprias vidas visitando a
comunidade violenta. Esses valores de cabeça pra baixo se tornaram os
modelos de evolução social brasileira. E aí eu concordo com os
vermelhos:neste caso a burguesia pode ser perigosa
.
Dinheiro na mão de quem não sabe usar, é garantia de obra mal feita, é
passo fácil pra corrupção, pra ostentação indecente, pra falta de
compromisso social.
A proliferação dos burgueses sem cérebro e sem coração está na raiz
mesmo da crise nacional. Compram um carrão e acham que podem andar pelo
contramão. Não querem entrar na fila e estão cagando e andando pra
miséria do vizinho, a menos que ele bata sua carteira. Aí ele reclama,
com toda a sua arrogância inculta e rasteira, que está faltando polícia.
Pobre idiota!
Essa praga só vai ser combatida, se redescobrirmos os valores esquecidos pela política do
pode tudoque se instalou no país, onde ninguém se arrisca a falar das diferenças, com medo de ser taxado de preconceituoso.
Muitas conquistas legítimas são protegidas por esse conceito, como o
respeito inter racial e a multiplicidade de gêneros na prática sexual.
Mas é aí também que estão sendo protegidas muitas coisas podres do
sistema, disfarçadas de
justiça social .
Não tentar superar os próprios limites e consumir cultura descartável
na música, por exemplo, não é proteger o gosto popular, é alimentar a
indústria da facilidade, que empurra pra fora da mídia o artista de
valor e desestimula a produção do trabalho bem feito, enchendo o bolso
de oportunistas de bastidores e esvaziando a cabeça da nossa juventude.
Eternizar cotas e projetos assistencialistas é negar o direito da
capacitação universal para a disputa igualitária, onde todos são
fortalecidos igualmente pelo sistema para ocupar os espaços e não
amparados com migalhas.
Não devemos, pra não ferir suscetibilidades dos que se dizem
politicamente corretos,
abrir mão do bom combate. O operário brasileiro é insuflado a sentir
ódio da classe média pelo poder manipulador, que finge que é igual a
ele, enquanto se banha na piscina funda da corrupção e da usurpação.
No fundo o que todos querem, em grande parte, é uma vida de
coxinha,
com seus filhos em boas escolas, seu carro pra viajar com a família,
morar numa boa casa. Isso não é feio nem é coisa do capeta. É legítimo.
Somos todos um só povo, e, se não temos os mesmos desejos, temos as
mesmas necessidades básicas: comer, morar, vestir…
Agora, meu amigo, se você tem um carro de luxo mas não consegue
dormir de noite, se paga uma boa escola pro seu filho e não conversa com
ele, se compra roupa de marca mas não gosta da imagem que vê refletida
no espelho, se ainda não leu um livro este ano, fura fila, estaciona em
vaga de deficiente sem sê-lo, dá roubadinha na contramão, corta pela
direita pra fugir do engarrafamento, caminha pela ciclovia e não se
preocupa com a coisa coletiva, você não é rico de verdade; você é
coxinha da pior espécie, e ninguém pode fazer coisa alguma pra te salvar.